sexta-feira, 30 de março de 2007

Passar da Raia














21-Mar-2007

"Destruí essa raia que separa, como uma muralha de ódio, uma família de irmãos, convertendo-a em estrangeira, e sobre as ruínas dessa muralha tendei a ponte pela qual se comunique e enlace o coração da Galiza ao coração de Portugal (...)" M. Curros Enríquez, 1893


Em Mandim há uma taberna. O taberneiro chama-se Xico. A raia passa perto de ali e a taberna é um couto mixto. Galegos de aquém e de além convivem e combebem. Fala-se galego; galego de cá e de lá. Serve-se aguardente do país, destilada por um velho alambiqueiro no Cambedo. Mas o país ficou talhado por uma raia. Ouvem-se cantigas do Zeca e foliadas de gaita, dançam-se moinheiras e viras. A raia passa perto, mas na Taberna do Xico as raias ficam fora. O Couto Mixto está perto de Calvos de Randim. Lá há uma igreja e na igreja uma arca velha. Um dia essa arca foi o símbolo de uma república de pessoas livres. A última ponte entre a Galiza e Portugal que ficava em pé. Lá nada se sabia de geopolítica nem de razão de estado. Um dia a geopolítica e a razão de estado chegaram lá. Agora só fica a velha arca agachada no fundo de uma velha igreja e, lá ao fundo, a raia a cortar o horizonte. Enquanto o alambiqueiro do Cambedo fia no bagaço, alguém conta mais uma vez a historia dos guerrilheiros. Chegaram fugindo da Guarda Civil e acharam refúgio na aldeia. Os fascistas rodearam as casas e depois de horas de inútil caça ao homem mudaram de estratégia. Começaram a cair as bombas sobre o povo cúmplice. Algum guerrilheiro logrou fugir, outros não. O povo também não. Foi punido exemplarmente: Para a cadeia do Porto. Ainda ficam testemunhas. Há também uma tabuleta que diz “em memória do vosso sofrimento”. Feridas. Cicatrizes. Raias... O Cambedo é um dos três “povos promíscuos”. Já o nome diz tudo. Os outros dous são Lamadarcos e Soutelinho. A raia passava pelo meio das casas. Na cozinha eram espanhóis (da Galiza) e no comedor, portugueses. Um dia chegou a geopolítica. Espanha ficou com o Couto Mixto e Portugal com os “promíscuos”, que assim deixaram de o ser de vez. Um dia armou-se foliada. Os gaiteiros eram de além a raia e os dançantes de aquém. Chegou a Guarda Civil. “Los españoles no pueden estar aquí. Se acabó la fiesta, cojones”. Foram-se para a raia. Galegos de cá, de uma banda e galegos de lá, da outra. Continuou a folia transfronteirizamente. Em Vilarelho da Raia há uma pedra a separar duas hortas. Essa pedra separa também dous estados. Espanha: cebolas; Portugal: batatas. Que pouco são os estados às vezes. Em Vilarelho também há um formoso museu etnográfico. A primeira vez que lá fomos mostraram-nos um carro de vacas, uma enxada, um jugo de canga, um funil, várias olas, uma gramalheira...O amável senhor que nos acompanhava esforçava-se por tentar explicar-nos os mistérios da roca, ou os diferentes usos da fouce. Falava melhor galego do que nós mas havia toda uma raia a separar-nos. Na taberna do Xico contam-se centos de histórias semelhantes. Histórias de uma linha traçada sobre as raízes, a música, as pedras, as casas, os meninos, as línguas, as consciências, as vidas, o futuro, os direitos, a dignidade... Histórias de uma raia inútil, porque a vida tende as pontes que a geopolítica derruba. Absurda, porque a memória ressuscita os laços que a (sem)razão de estado tenta talhar. Para apagá-la bastaria com derrubar os fitos de pedra perdidos por esses montes, que são a única marca física da sua existência. Mas essa não é a verdadeira raia...A verdadeira é a que levamos na cabeça. E essa vai connosco a onde quer que vamos. Uma raia por pessoa neste país das mil raias.


A GENTE DA BARREIRA

quarta-feira, 28 de março de 2007

A Cabeça e o Resto do Corpo. Conflitos Internos?


















Os números divulgados pelo jornal Público (anteontem) e pelo Primeiro de Janeiro (na semana passada) apesar de preocupantes não são surpreendentes. Conhecemos as políticas do governo em relação ao combate ao desemprego e à saúde e às variadas áreas que neste momento ilustram a crise em que o país vai mergulhando sem parecer querer debater-se para vir à tona respirar.

As políticas e as ideias do governo e dos ilustres governantes do país reflectem uma preocupação excessiva para com a capital e o território em seu redor agora adquirido, em detrimento de uma política equalitária que servisse de igual modo as diferentes regiões do país. Só assim se explica como o Vale do Tejo (recém-conquistado território por parte da capital) tenha um nível de vida e um índice de desenvolvimento superior ao do norte do país. Aliás, o melhor índice de Portugal! O Ribatejo (antiga denominação do Vale do Tejo) não passa - e sem entrar em polémicas, mas colocando as coisas de uma forma simplista - de uma lezíria com poucos habitantes e reduzido grau de industrialização. Só uma política proteccionista e preconceituosa poderia proporcionar uma conjugação de factores para que esta região pudesse ter um melhor índice de desenvolvimento do que a região Norte, que tem tradição industrial desde o séc. XIX e que até aos anos 80 serviu como motor económico do país. Nem é necessário aprofundar a questão para perceber o potencial de uma e de outra região: é por tal forma evidente que não teria o menor nexo uma comparação exaustiva.

Lisboa atrofia o Porto desde há muito e de há uns 20 anos para cá tudo piorou. Para nós, evidentemente. Perdeu-se a vergonha ou o sentimento de culpa de assumir uma política centralizadora, absorvente e destruidora. Assumiu-se de vez o objectivo de travar o crescimento económico do Porto e, por conseguinte, do resto da região. De que outra forma poderemos interpretar os disparates escandalosos com que os sucessivos governos de esquerda e de direita brindaram a cidade do Porto? A passagem do BPA - à data, o banco referência português - para as mãos de um grupo da banca lisboeta, transferindo a sua sede do Porto para Lisboa foi o primeiro passo para a abertura das hostilidades. Seguidamente privou-se o Porto da sua Bolsa de Valores, por - argumentaram eles, mas sem apresentar estudos disso - apresentar prejuízo e não se justificar duas bolsas de valores num país de tamanho tão reduzido. Não satisfeitos transferiram toda a autonomia nos serviços públicos que a cidade possuía para a cada vez mais macrocéfala Lisboa. As consequências das políticas centralistas do governo foram fazendo o resto. Para quê investir numa empresa na cidade do Porto, por parte de um grupo estrangeiro, se todas as benesses iriam para quem investisse em Lisboa? Investir no Porto era sinal de burocracia, atrasos nos despachos, deficiência de serviços e outros entraves que desencorajavam o investimento local, em favor da capital.

Foi, assim, crescendo Lisboa e absorvendo cada vez mais os benefícios da sua política que lhe permitiria acumular cada vez mais riqueza e adquirindo um estatuto que quando comparado em números, excluía a capacidade do Porto - e das restantes cidades - para discutir com ela o estatuto de motor económico do país. E justificava também a necessidade de um investimento cada vez maior em si mesmo, para proporcionar melhores infra-estruturas aos cada vez mais investimentos que ela própria proporcionou. Criou então, de uma forma planeada e premeditada, as condições necessárias para se desenvolver economicamente e afirmar a sua posição de cidade líder do país, encostando para canto a cidade que mais condições tinha para competir com ela.

Só que ao adoptar esta política, Lisboa esquece-se que faz parte de um país e que apesar de ter saúde financeira ela própria, o resto do país atravessa uma crise perigosa. Ao adoptar essa política, para benefício próprio, abdicou e excluiu do processo a região do país com maior capacidade para ombrear com ela e ser uma mais-valia para ultrapassar a crise. E dessa maneira o país perdeu. Perdeu um elemento fundamental no combate a crise e fundamental ao crescimento económico, por estar atrofiado, oprimido, subaproveitado e, diria mesmo, humilhado. Porque só podemos estar a falar de humilhação quando nos confrontamos com esses valores e temos conhecimento do nosso real potencial e não existir uma política que vá de encontro às características da nossa região.

Enquanto a cabeça macrocéfala do país conseguir permanecer à tona, o país aguentar-se-á por mais algum tempo. Mas por quanto tempo mais? É preciso ter em conta que os restantes órgãos encontram-se submersos e correm o risco de sofrer lesões irrecuperáveis.

O Quanto Se Preocupam Connosco















Notícia do Jornal Público, da passada segunda-feira:

Desemprego não pára de crescer e chega aos 9,7% na Região Norte


26.03.2007, Natália Faria

Perto de 200 mil pessoas desocupadas e menos 20 mil postos de trabalho no final do quarto trimestre do ano passado
No quarto trimestre de 2006, a Região Norte somava 193 mil desempregados, ou seja, mais 7,1 por cento do que no mesmo período do ano anterior. É um número que evidencia o agravamento do fosso entre a região e o resto do país: a taxa de pessoas sem trabalho no Norte atingiu os 9,7 por cento, contra uma média nacional de 8,2 por cento. Não bastasse, o desemprego regional afectou sobretudo as mulheres e os trabalhadores com idades entre os 25 e os 35 anos.
O retrato, em tons muito pouco cor-de-rosa, vem traçado no relatório Norte Conjuntura, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte, baseado em dados do Instituto Nacional de Estatística. Aí se lê que o emprego voltou a estar em queda no quarto trimestre de 2006, registando menos cerca de 20 mil postos de trabalho face ao trimestre homólogo do ano anterior. É um recuo de 1,1 por cento, em contraste com a média do país, que preservou um ligeiro crescimento na criação de emprego (0,2 por cento).

A norte, o crescimento do desemprego afectou sobretudo as mulheres: o emprego feminino recuou 1,9 pontos percentuais em termos homólogos (o masculino desceu 0,4 por cento). Por outro lado, o maior crescimento ocorreu, segundo o INE, entre os desempregados com 25 a 34 anos. E os desempregados há mais de dois anos atingiram 36,5 por cento dos desempregados, dos quais 56,4 por cento está desempregado há um ano ou mais tempo.

Esta queda no emprego foi motivada sobretudo pelo sector primário, com menos 21 mil empregos nos sectores da agricultura, da silvicultura e da pesca. Sem esta descida, nota o relatório da CCDRN, "o emprego regional teria tido mesmo um ligeiro crescimento". Nas indústrias transformadoras (têxteis, calçado...), o emprego cresceu 3,7 por cento, o correspondente a mais cerca de 18 mil empregados relativamente ao quarto trimestre de 2005. O número de desempregados oriundos deste sector desceu 4,4 por cento. O mesmo aconteceu na construção civil, onde o número de desempregados desceu 11 por cento. Assim, para os números do desemprego contribuíram em grande parte o comércio, com mais 36,2 por cento de desempregados, e a hotelaria e restauração, com mais 20 por cento de desempregados.
Noutra perspectiva, o crescimento dos salários foi menor na Região Norte do que no resto do país. O salário médio mensal auferido na região foi de 641 euros no final de 2006, um crescimento de 0,5 por cento. Em termos nacionais, o salário médio foi de 719 euros, crescendo de 2,6 por cento.

segunda-feira, 26 de março de 2007

A Nossa Mãe é Uma: É preciso perder-se para atopar-se!

O mapa publicado no post anterior foi tirado dum trabalho gráfico de uma banda galega denominada Banda de Poi. Poi significa poio, que significa cimo do monte. E a banda é do Tonhito de Poi, que foi dos Heredeiros da Cruz. Atopou a verdadeira dimensão do galego quando visitou Portugal pela primeira vez, na cidade do Porto, notando então que alegria era ver aquela gente toda falar galego livremente nas ruas. As semelhanças dos termos próprios para definirmos as coisas reparou ele cá, fazendo-lhe lembrar termos que apenas o avô dele usara. A sua descoberta foi um achado para ele, pois não fazia a mínima ideia de sermos o mesmo povo. A partir daí, as suas convicções ganharam forma. A sua banda é formada por galegos do norte e do sul. O melhor mesmo é ler a entrevista...


http://www.agal-gz.org/modules.php?name=News&file=article&sid=3429/

sexta-feira, 23 de março de 2007

quarta-feira, 21 de março de 2007

Entre Lisboa e Madrid não é Vigo que fica

Transcrevo aqui um texto encontrado num blog que analisa de uma forma interessante um tema actual, que nem sempre é discutido. Eu diria mesmo que, em Portugal não existe se quer discussão sobre ele. Encontrei mais referências a este tema em sítios galegos (principalmente) e espanhóis do que em sítios portugueses.




















Entre Lisboa e Madrid non está, e nunca estará, Galiza. Agora tócalle a quenda de mediar a Estremadura.
A UE vén de designar a Badaxoz como a cidade onde estará a sede do secretariado técnico que deberá xestionar os programas de cooperación transfronteiriza entre España e Portugal. Disque nesta decisión actuou, e ben, o interese portugués-lisboeta (recoñecido tamén como luso) por mor de non dar pulo a calquera vontade autonomista de Oporto. Lusitania e Gallaecia seguen a loitar neste caso dentro das lindes portuguesas e a vitoria segue a ser lusa. Supoñemos que o interese lisboeta e a pouca, por non dicir nula, influenza do goberno Galego no de Madrid explican cómo unha cidade como Vigo, estratexicamente moito mellor situada e moito máis forte economicamente, perde unha oportunidade tal. Gallaecia dividida en dous estados ficou esnaquizada, e tamén descabezada politicamente, aló polo 1140. Afonso Henriques fixo nacer Portugal mais non para Gallaecia senón para Lusitania. Na outra beira Xelmírez pactou coa coroa de Castela-León a renuncia á independencia do Reino de Galicia coa condición de conseguir o seu afortalamento persoal ao redor da sé metropolitana de Santiago. Alí remataba o poder político dos galegos; poder que fóra hexemónico dende o século V deica o XII na parte occidental da península ibérica. Xa que logo, dende o XII deica aos noso días Gallaecia será entidade marxinada, a unha e á outra beira do miño (que non se enganen os galego-portugueses). Da beira de alá manda Lisboa e da beira de acó Madrid. E entre Madrid e Lisboa nin estivo, nin está, nin estará nunca a Gallaecia, ese enorme espazo físico, cultural-lingüístico e espiritual que existe con anterioridade á época cristiá e que na súa chegada identificaran perfectamente os romanos para constituílo como provincia administrativa no imperio aló polo 285 d.C; dándolle desta maneira a súa primeira formalidade política. Temos necesidade de Gallaecia non só polo que representa de acervo cultural histórico senón polo que supón cara ao futuro. A eurorexión Galiza-Norte de Portugal, unha nova Gallaecia administrativa –recortada respecto da romana, pero erguéndose por enriba dos ideolóxicos lindeiros de estado-, está a traer unha realidade económica que, malia os atrancos de estado –lisboetas e madrileños-, rexurdirá tamén como realidade lingüístico-cultural. Para entón, e non queda moito, deberiamos recuperar a cabeceira política, senón corremos o risco de ficar novamente nas marxes e xa levamos deste xeito tempo dabondo.


http://invavagalumes.blogspot.com/

Galegos de Portugal



















Ao contrário do que se pensa existem galegos em Portugal. Se calhar existem mais do que o que julga haver. Nem todos sabem que os são. Mas a surpresa, aos olhos de muita gente, é eles existirem. Não só existem como se manifestam e lutam pelos seus direitos. Direitos violados pelo desconhecimento de causa e de terreno por parte de quem governa que toma atitudes absurdas e fundamentadas em estatísticas e estudos encomendados, que são posteriormente analisados no conforto do seu gabinete, a mais de 300 kms de distância.

Felizmente há quem reconheça a sua verdadeira iedntidade e discorde que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem e o monte fica no Alentejo. Há quem não esqueça nem renegue as suas origens e as manifeste livremente para todo o Portugal ver que existimos. Para surpresa de muitos, no seu principal membros de governo, que promovem um país uno e simétrico de norte a sul, sem a menor diferença, fundamentada no português padrão que é - surpresa! - o habitante da capital.

Galegos? Mas esses gajos não eram espanhóis?

A Verdadeira Galiza














É, de facto, espantoso como a consciência de um povo pode ser afectada por interesses que não os seus em detrimento de uma causa que, apesar de também sua, não lhe é benéfica e lhe trai a sua identidade.
Com o tempo deixámos de ser galegos para sermos “os do norte”. Deixámos de ser uma região com um nome para sermos a “Região Norte”. Dividiram essa região norte em duas para criar sentimentos de diferença onde eles não existiam. Fizeram com que as províncias a sul do Douro mais próximas deste e com uma identidade cultural igual e identificada com as terras a norte do Douro passassem a ser terras do centro, mais relacionadas com as beiras, portanto. A ideia é o Portugal uno e a renegação de identidade galega que une os povos galegos de ambas as margens do Minho, até às terras a sul do Douro. A ideia que Portugal sempre existiu e que não é um produto derivado da Galiza.
Porque a Galiza é sempre conotada com a região espanhola. Quando a Galiza é bem mais que isso… A Galiza abrange todo o Norte de Portugal e partes de Leão e das Astúrias. No Berço, fala-se galego. O próprio falar asturiano subdivide-se em asturiano-galego e asturiano-leonês. Mais: a Galiza não é aquele pequeno pedaço de terra reduzido a quem os espanhóis chamam de Comunidade Autónoma de Galicia. Nem o que os portugueses, por força de falta de informação e por força de contra-informação do poder central, também se habituaram a chamar e a identificar como a única Galiza. Porque Galiza é Espanha. Quando a Galiza foi e sempre será Galiza. Criada no espaço que hoje corresponde o norte do país chamado Portugal, até à Crunha. Onde foi baptizada por força do povo celta que habitava esta região.