terça-feira, 15 de setembro de 2009

Adonde vais, galego?
















Durante as férias pude comprovar o estado da língua tanto a norte como a sul do Minho. Ouvindo os mais velhos falar, além de se aprender muito, como guardiãos da sabedoria que são, podemos escutar como se falava em determinada época anterior à nossa por serem eles conservadores de um jeito de falar e de uma fonética correspondente ao tempo em que eles se fizeram pessoas.

Ainda assim, sendo estas pessoas de idade como que os mais fiéis reprodutores do modo de falar de antigamente, não podemos deixar de ter em conta que também eles sofreram já influências de um e do outro "idioma", ainda que a sua repercussão seja mínima e o seu falar seja uma ilustração fidedigna do jeito de falar de um passado não muito distante.

Constata-se facilmente que, a sul do Minho, a fonética dos mais velhos é um falar mais rude, mais labrego e conotado como uma pronúncia parola, própria de gente iletrada e do campo. Esquecendo a estupidez destes (pre)conceitos e abstraindo-nos do outros preconceitos criados pelas fronteiras físicas que não correspondem de facto às fronteiras dos homes, facilmente se percebe que o falar dos mais antigos tem uma fonética mais parecida com o galego, variante dialectal do português (ou vice-versa, dependendo dos ângulos) e tido, ainda por muitos a sul do Minho, como um dialecto do castelhano (ainda que admitindo que ao olhar para aquilo que a maioria dos galegos do norte do Minho escrevem se assemelha mais a castelhano do que a outra coisa; fica, no entanto, este assunto para mais tarde, num fio próprio). Esta semelhança é não só fonética como também de sintaxe e de léxico. De facto, há palavras usadas pelos mais velhos que não têm o direito de aparecer nos dicionários da língua. Eventualmente não são considerados portugueses. Ou então português correcto. O que é certo é que eles existem e são usados no dia a dia e não só merecia como deveria ser obrigatória a sua inclusão nos dicionários. Neste campo, a contribuição da recém-formada Academida Galega da Língua Portuguesa veio dar um esperançosos contributo para que os termos usados pelos habitantes do estado português (que são os mesmos que os usados pelos galegos da outra banda do Minho) não só caiam em desuso como no esquecimento.

Rumando a norte, já no território baixo o domínio espanhol, podemos facilmente constatar que o uso do castelhano suplantou largamente o uso do galego por todo o território da Comunidade Autónoma de Galicia. Por todo o lado vemos sinalização em castelhano, seja ela de carácter oficial ou comercial ou informativo. Mesmo na sinalização das ruas, a informação aparece nas duas línguas ou, em muitos dos casos, apenas em castelhano. A excepção creio ser Compostela.

No falar das pessoas, nota-se uma predominância do castelhano em todo o lado. Mesmo nos que falam galego, se não tomarmos atenção cuidamos que eles estão a falar castelhano. Pola pronúncia, pola entoação, polos "eh?" no fim das frases, polos "ción" no lugar dos "çom" e porque o que a maioria fala tampouco se assemelha a galego mas a castelhano esforçado no sentido de parecer galego, trocando os "a" e os "lo" por "a" e "o" e pouco mais.

Os mais novos falam praticamente todos em castelhano. Poucos são os que falam galego, ainda que vi famílias a fala-lo com os seus filhos de quatro e oito anos. Mas a meiríade fala castelhano. Por prestígio, por complexo, por pequenez e por falta de alcance. Também porque lhes é imposto, porque está em todo o lado e porque entra polas casas adentro, incluindo na Televisión de Galicia. Se falarmos com um camareiro em português (do norte, daquele que qualquer galego com mais de 35 anos identifica como seu), logo ele responde em castelhano. Alguns fazem-no em galego. Os mais velhos percebem-nos melhor. Ainda assim há mais velhos com cara de galego mas com ar de espanhol. Percebem-nos, mas repetem o que dizemos, em castelhano. São galegos mas querem ser, perantes nós, espanhóis.

Os mais velhos, ou a maioria deles, fala galego. Galego galego! Galego assim como um cruzamento entre um natural de Ponte de Lima ou de Vila Pouca de Aguiar. Sem sofrer a influência sonética da capital do estado português, claro está (depois há essa outra influência, a do sul, mas será também ela abordada em fio próprio). Daqueles genuínos, que falam sempre da mesma maneira e que não mudam a sua fonética por estarem de fronte de gente importante ou da cidade, com o intuito de agradar e de não parecer tão labrego. Galego com uma fonética cerrada, com "a", "e" e "o" fechados. Um galego que se eu não soubesse que estava na Galicia, cuidaria que era dali de alguém do norte de Portugal. Um galego que a minha mulher identificou como português e me chamou atenção para o facto, ela que sabe que cismo com estes estudos e com estes detalhes. Realmente o que esses dois casais, com idades compreendidas entre os 50 e os 60 e poucos, falava era português. Da Galiza. As expressões, a suavidade, os termos, era tudo menos aquilo que passa num canal de televisão e que é apelidado de galego mas que não passa de uma versão aproximada do castelhano.

Passo a citar alguns exemplos. O primeiro, o destes casais: "Pra que queres que jogue a bisca? Já nom a jogastes há pouco". Eu, que não sou perito nestas questões linguísticas, mas um interessado apenas, vou tentar traduzir isto fonéticamente: "Pra k kéres k xóg' a bisca? Já nom a xogastes á pouco?". Não me parece que tenha surtido grande diferença. Ficou a tentativa. Cumpre dizer que os "a" e os "e" que não estão acentuados são fechados. O que um galego mais novo diria no seu galego seria: Prá qué quéres qué xógué á biscá? Xá nón á xógastés á poucó?.

Depois há as expressões. Escutar um grupo de velhos que se ajuntam num muro ou num passeio revela ser interessantíssimo. A maior parte deles lembrou-me os velhos do Porto, pola sua boa disposição, sentido de humor e polas expressões: "Carcaça... ó carcaça!! Onde bais, caralho?!", dizia um de 60 para um dos seus 80 e tal. Ou então dois grupos de dois que se encontram, uns em andamento, os outros sentados num murinhos: "Atom caralho, que estás mais velho que o ano passado!!" (Atóm caralhu, que estás máis vélho c' ó anu passadu). Dito assim, num galego cerrado e perfeitamente reconhecível.

De um lado e do outro, vai se perdendo a fonética a pronúncia, as expressões, a originalidade da língua que tanto charme lhe dá, em detrimento da pseudo-intelectualidade lisboeta, cheia (impregnada, diriam eles) de palavras caras e do altivismo castelhano. Adonde vais, galego?

4 comentários:

Anónimo disse...

Para quem vive no Brasil é absolutamente incompreensível esta discussão sobre a lingua galega...Em alguns momentos querem ser lusófanos ou "brasileiros" em outros são galegos do tipo A ou B... Enfim, uma confusão danada!
Eu penso que galego é galego e pronto...nada de portugues, brasileiro ou sei lá mais o que...

Essa briga pelo idioma me parece mais uma questão política que só pode interessar a quem tem ou quer ter o poder.
O povo mesmo não tem interesse nisso!
Entrar para a CPLP para que? Para "pertencer" a um grupo "majoritário"? O galego não é portugues e portugues não é galego...galego é galego, como catalão é catalão, asturiano e asturiano...

O desespero e radicalismo dos diversos grupos de poder da Galicia já demonstraram a que vieram...
Sair do "jugo" castelhano para o "jugo" portugues?
Quem ganha e quem perde com isso...
Ah! como eu gostaria de entender!!!

Abraços

Fernanda

Sam disse...

"O galego não é portugues e portugues não é galego...galego é galego, como catalão é catalão, asturiano e asturiano..."

Esta frase é redutora! Parece vinda de um qualquer madrileno ou imperialista espanhol. O galego pertence ao tronco comum do português e o facto de estar sob domínio castelhano influenciou negativamente a sua evolução e isolou-a do resto da sua família.

Se lhe faz confusão, porque não pesquisa e lê sobre o assunto? Hoj em dia, com a internet, tem acesso a muita informação fiável e sem a manipulação habitual dos historiadores e linguistas castelhanos.

E já agora: não se diz Galicia! O nome próprio do país é Galiza. Em galego, que é português...

Anónimo disse...

Desculpe-me Sam... no Brasil ainda se diz Galicia.
Não sou imperialista de Madrid nem tenho nada com a Espanha. Sou brasileira e falo português.
Tenho lido muito sobre a questão idiomática do Brasil e - pelo estudos que tenho lido - o galego e o portugues são linguas derivadas do galaico-portugues, mas são distintas...como todas as demais linguas derivadas do latim.
Creio sim que deva ser mantida a lingua galega porém não entendo o motivo de querer ser "lusófona". Não basta ser tão somente galego, uma lingua específica como o qualquer outro idioma?
Não foi minha intenção agredir, pelo contrário, entender a motivação do povo galego.
Acredito que cada povo deva manter sua identidade, inclusive quanto idioma. Talvez por isso não entendo o "querer ser lusófano".
No Brasil - apesar de se falar genericamente em "portugues" - temos diferenças regionais profundas, dependendo da origem do colonizador, da quantidade de escravos trazidos da África, da quantidade de indígenas remanescentes, da quantidade e origem dos imigrantes e da proximidade com povos fronteiriços.
Então, temos diferenças culturais, raciais e idiomáticas bastante significativas (não só o sotaque nos distingue, mas a própria formulação da frase, palavras e, principalmente, a concepção do significado, ou seja, o uso e costume "oculto" em cada comunicação).

Peço desculpas, novamente, por ter me metido em questões que não me dizem respeito.
O problema do povo galego não passa pelos problemas dos brasileiros. E, por isso, não devo me envolver com tais questões.

Desculpe-me.

Fernanda

Zé Rocha Porto disse...

Como cidadão do Porto, confirmo, senão tudo o que aqui está escrito.
A língua Portuguesa provém do Galego, sem dúvida. Pena é que a Língua Oficial Portuguesa seja apenas a que é falada nas tv?s com a pronúncia de Lisboa, tornando-se assim o falar do Porto e de um modo geral, do Norte, uma parolice no entender das elites da capital. Mas que o falar do norte lembra muito o Galego, essa é a verdade.