quarta-feira, 6 de junho de 2007
São Jorge e a Coca
Amanhã, dia de Corpus Christi, tem lugar a tradicional festa da Coca, em Monção, onde esta se debate com o lendário S. Jorge. Assim, e depois da procissão, a multidão dirige-se para o Campo do Souto, onde terá lugar o combate. Os dois defrontam-se e o resultado desse combate ditará os resultados das colheitas e da produção do alvarinho. No tradicional embate entre o Bem e o Mal, não é difícil adivinhar tal resultado, mediante o vencedor. A Coca é dirigida por sete pessoas e a sua boca é mecânica, bem como a sua língua. Os movimentos desta influenciarão as atitudes do cavalo, que poderá ditar a sorte do combate. Se São Jorge acertar da língua e nas orelhas da Coca, sai vencedor.
O povo tem grande devoção à Coca, chamando-a de Santa Coca, Coca Rabixa ou Diacho da Coca. "Por via da Santa Coca rabixa/perdi o diacho da Missa", diz o povo. A coca é um ícone popular tradicional das terras da Galécia. Surge na imaginação popular, passando na tradição oral, sob a forma de contos e lendas. Muitas destas lendas falam da Coca como devoradora de donzelas e de princesas, que são salvas das garras do dragão pelo valente príncipe. Faz parte do imaginário popular europeu e está bem implantada nas lendas galegas.
Reza a lenda que S. Jorge, acudindo ao apelo de uma jovem princesa, filha do rei da Líbia, mata com uma lança o dragão que a queria devorar. S. Jorge é um santo de grande devoção na Galécia e a sua fama chegou ao ponto de uma das primeiras bandeiras do Reino da Galécia fosse a bandeira com a cruz deste santo. Tal como a inglesa, era de fundo branco, com uma cruz vermelha centrada.
Inserida na Procissão do Corpo de Deus, o evento dá o seu ar de paganismo a uma data marcadamente cristã. Como é apanágio, aliás, em muitos eventos de carácter fortemente cristão, que mais não são que adaptações feitas pela igreja de eventos dos povos celtas - e outros - que habitavam o império. É assim como o Dia de Todos-os-Santos, que corresponde ao Samhain, festividade celta do primeiro dia de Novembro onde as almas eram autorizadas a vir a este mundo e a conviver com os seus familiares. De almas para santos foi um passo. Santos, que é coisa que não falta no calendário da Igreja Católica. Para substituir os deuses dos povos conquistados, foram criados santos com poderes semelhantes, a fim de a população se converter mais facilmente ao cristianismo. Numa religião monoteísta, estranha haver um santinho para cada situação...
Importa ressalvar a tradição enraízada desta festa, de características marcadamente medievais. É parte integrante da nossa cultura galaica e tem paralelo nas festividades da Redondela, na Galiza Norte. São símbolo do nosso passado e ajudam-nos não só a compreender aquilo que fomos, mas também a encontrar a nossa identidade e sentirmo-nos parte integrante de algo com que nos identificamos. E sabemos como isso é importante nesta época de globalização onde todos somos anónimos e tendemos a ser mais número que indivíduo.
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5 comentários:
Com efeito, em Redondela temos também a festa da Coca, que é um dragão gigante que corre pela vila na época do "Corpus".
Acho que também há na Catalunha.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Coca_(folclore)
Abraço, Sam.
E com efeito, côco, a semente do coqueiro das regiões dos trópicos, foi baptizada dessa maneira por ser um fruto bastante diferente daqueles que os nossos estavam habituados. E o que era estranho era conotado com o mal (coco, ou seja, diabo) ou com o sobrenatural (que ia dar no mesmo).
Um grande abraço!
Acho muito interessante a aclaração sobre a etimologia de côco, como tudo o que aqui se verte. Parabéns a Calécia pelo seu esforço em pôr de evidência as questões que ainda sobrevivem do mesmo povo, tradicionalmente dividio pela raia de dois estados que se odeiam e que ensinaram a se odiar mesmo a membros desta nação dividida.
Obrigado, caro Oscar. As suas palavras são bondosas e alentam-me em continuar com este meu "passatempo".
Gostei muito do que diz na última frase, a partir de "questões". É mesmo isso. E quanto custa em ouvir gente a falar dos do norte como espanhóis e a afirmar orgulhosamente o ódio a eles...
Olá, tudo bem? Sou estudante de Design de moda no Brasil e o tema do meu desfile conceitual é a sobre a Cuca, uma fêmea de jacaré em forma de mulher descabelada que assusta criancinhas e foi eternizada por aqui como um personagem de Monteiro Lobato, em o Sitio do Pica pau amarelo. Com efeito, na minha pesquisa a lenda vem da colonização portuguesa aqui no Brasil, ou seja, da coca, seguindo então ao dragão que São Jorge matou. Há ainda a referencia a tomadora de cabeças, por ser coco o mesmo que cranio, cabeça... chegando as aboboras vazadas com velas dentro.... Achei peculiar e enriquecedor aprofundar minha pesquisa neste texto rico em conteúdo. Obrigado!!!! Caso tenhas mais informações ou sugestões de como consegui-las, peço que gentilmente me informe pelo e-mail andreza.boal@gmail.com ! Mais uma vez obrigado!! Andreza Boal
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