quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
As Fogueiras de Dezembro
Polos finais de Dezembro, nas noites de Natal e de Passagem d'Ano, anualmente repete-se com rigor a celebração das festas em redor de uma fogueira. Por essas aldeias e vilas fora, amontoam-se os toros na praça principal, por norma defronte da igreja, e à noitinha ateia-se o fogo à lenha e o povo começa a juntar-se em redor do lume. Celebra-se, canta-se, come-se e bebe-se. Para aquecer, claro está.
O conceito que temos de Natal, hoje em dia, alude a uma noite caseira, com a lareira acesa (onde a houver), a família por companhia e muita doçaria e lambarice à mesa para ir degustando juntamente com um Porto ou outra bebida fina. Temos aquilo que se chama um Natal passado em família. Dai a minha surpresa quando nos meus tempos de Liceu um amigo meu me ter contado acerca do Natal dele, em Macedo. Quando lhe atirei com "O costume, passado em casa com a família", após ele me ter perguntado pelo meu Natal, ele responde-me que em casa foi coisa que ele não ficou. E que o passou com os amigos. Porventura a família também lá estaria, junto do lume, a comer e a beber e a dançar. Como estaria a aldeia em peso, já que nessa noite ninguém ficava em casa. O natal dele era passado de uma forma para mim impensável e, até então, fora do convencional daquilo que era um Natal tradicional. Julgara eu.
Esta tradição que ocorre nos finais de Dezembro, nas zonas do Noroeste Peninsular, remonta aos tempos em que as populações celebravam o solstício de Inverno, em finais de Dezembro. Fogueiras enormes eram acendidas por todo o lado para comemorar a entrada no período do frio, pedindo dessa forma aos deuses que o lume fosse sua companhia no Inverno, que a luz estivesse presente e que as colheitas do ano vindouro fosse de feição às suas expectativas. Era a festa da luz, a festa do fogo. Por toda a Europa celta se repetia este ritual e, ainda hoje em dia, as variantes destas celebrações podem ser encontradas na Europa central - casos da Suiça, Áustria e sul da Alemanha, onde o culto da árvore permanece, sendo esta queimada no dia do solstício. Na Alsácia e na Lorena são as luzes que imperam. Todas esta manifestações se relacionam com o culto do solstício.
Esta data e estas celebrações foram posteriormente adaptadas pela igreja à sua iconografia cristã, convertendo-se esta festa num culto ao menino Jesus, ao seu nascimento, mas mantendo os contornos de celebração do Sol. Como não conseguiram com que as populações abandonassem os seus costumes, tomaram-nos por seus e adaptaram-nos a uma forma mais cristã, introduzindo elementos seus nestes rituais. O facto de o Natal se celebrar a 25 de Dezembro não é casual, já que incide em cheio com o período de celebrações que se prestavam ao solstício.
Estas relações vim eu descobri-las mais tarde, como mais tarde descobri - há bem pouco tempo mesmo - que o meu pai celebrava dessa maneira a passagem de ano. E fê-lo até uma idade de jovem quase adulto. Quando comentei com ele estes hábitos de fazer uma fogueira enorme no centro da aldeia ou da vila por essa época, diz-me ele que em moço também assim comemorava a passagem de ano. Que ali para os lados da Serra do Pilar, em Gaia - para quem não conhece é aquele cabeço de monte onde está instalado o Mosteiro da Serra do Pilar, com a sua especial igreja redonda que contribui para o cenário paisagístico que formam o Porto, a ponte, o rio e a parte de Gaia -, pela noite de fim de ano, se fazia uma enorme fogueira onde as pessoas se reuniam para dançar e, como não poderia deixar de ser, comer e beber. Fiquei surpreendido, claro. Embora depois de o saber não poder deixar de achar que seria normal, já que por toda a região assim era, ali não poderia deixar de ser. Como região galega que é em costumes, tradições e crenças.
Acontece que essas tradições vão caindo em desuso aqui no Porto, por lástima. Tal como já não se faz a fogueira no fim de ano, também no São João já não se fazem pequenas fogueiras espalhadas pela cidade e já não se salta por cima delas, em número de três, para dar sorte para o ano vindouro. O Porto, considerado o baluarte desta região, o defensor das tradições nortenhas, também esquece e, aos poucos, vai abandonando as suas tradições, para absorver outras que não são suas e que nos são trazidas de outras paragens mais a sul.
Felzimente a tradição teve um forte impulso nestes últimos anos e ganhou outro vigor, por essas aldeias fora. O costume não se perdeu de vez e começa a gora a ser impensável passar a noite de fim de ano e de Natal sem a tradicional fogueira. Os jovens tomaram-lhe o gosto e seguiram os costumes dos seus pais e avós.
Assim se mantém uma tradição. E assim se preserva uma cultura.
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
E a Espanha (e a Galiza) aqui tão perto...
Transcrevo aqui um texto de Luís Costa, colunista do JN, na sua edição de sábado. Após um interregno motivado por questões pessoais e profissionais, torno à edição deste o blogue, que espero se tão assídua como fora até à sua interrupção.
E Espanha aqui tão perto
Luís, Costa, Jornalista
Ciclicamente, surgem estudos e estatísticas que nos atormentam com a lamentável realidade em que mergulhou a região Norte do país nos anos mais recentes.
Já não bastava sabermos que o Norte, que há apenas duas décadas ainda integrava o grupo das dez regiões mais industrializadas da Europa, está agora - mesmo no quadro de uma União Europeia alargada 27 países - no grupo das regiões mais pobres.
Já não bastava sabermos que o Norte, nos últimos dez anos, tem andado a divergir no crescimento, quer comparemos com a média nacional quer com a média comunitária, apesar dos dinheiros de Bruxelas que supostamente deveriam estar a ser aplicados na região e a conferir-lhe uma renovada dinâmica.
Já não bastava sabermos que a política regional europeia, ao contrário do que tem sido a prática da nossa política doméstica, não é uma política de cúpula, mas uma política de parceria e descentralizada, onde as responsabilidades são compartilhadas - numa autêntica Europa de regiões - e em que os projectos são geridos no próprio terreno.
Já não bastava sabermos que praticamente tudo aquilo que é mau a nível nacional (desemprego, falência de empresas, baixos níveis de formação académica e profissional, abandono precoce da escolaridade, índices reduzidos de produtividade, escassa geração de riqueza) é pior ainda se olharmos unicamente para o Norte.
Já não bastava sabermos que nas dez sub-regiões mais pobres do país figuram quatro espaços territoriais nortenhos - Tâmega, Alto Trás-os-Montes, Minho-Lima e Douro - e que somente o Grande Porto integra o "top-ten" das sub-regiões mais ricas, mesmo assim em quarto lugar, praticamente lado a lado com o litoral alentejano, embora seja a segunda metrópole do país.
Já não bastava sabermos tudo isto e um trabalho realizado em parceria pelos institutos nacionais de estatística de Portugal e de Espanha vem dizer-nos que o Norte português desceu para a cauda de todas as regiões da Península Ibérica - incluindo as ilhas - no "ranking" do rendimento disponível bruto das famílias, por pessoa. Mais na vizinha Galiza, esse mesmo rendimento chega a duplicar idêntico rendimento na região Norte. E, claro está, de todas as regiões portuguesas a única que rivaliza com o rendimento disponível bruto das famílias espanholas é a região de Lisboa.
É nestas alturas que me lembro de uma frase brilhantemente simples de Poças Martins, na altura a exercer funções autárquicas em Vila Nova de Gaia, por sintetizar na perfeição o drama de um país estruturado numa lógica político-administrativa praticamente imutável desde finais do século XIX "Temos uma divisão administrativa do território que não é adequada ao desenvolvimento. Assim, vamos de vitória em vitória até à derrota final".
Perante este quadro, vale a pena relembrar que, pela primeira vez nos últimos 30 anos, o primeiro-ministro e o líder do maior partido da oposição mostram estar em sintonia quanto à necessidade de avançar com o processo político da regionalização.
É verdade que nenhum deles quer comprometer-se com calendários rigorosos, e até nisso parecem estar de acordo. O que, embora se compreenda do ponto de vista táctico (na suposição de que não existem ainda as condições necessárias a um bem sucedido referendo sobre a matéria) dá sempre para desconfiar quanto às reais intenções de Sócrates e de Menezes até por ambos serem "cristãos novos" desta nobre e velha causa.
O certo é que a oportunidade existe, como nunca antes existira, e não pode de modo algum ser desperdiçada por quem acredita, com efectiva sinceridade, termos uma divisão administrativa do território manifestamente desadequada ao desenvolvimento. No âmbito do próximo ciclo eleitoral legislativo, que é já em 2009, os líderes dos dois maiores partidos portugueses têm de ser ferozmente confrontados com aquela necessidade - e com as suas promessas e profissões de fé.
Para quem acredita que da sobrevivência do Norte depende a sobrevivência do próprio país, a palavra de ordem só pode ser uma até 2009, paciência; depois de lá chegarmos, insistência. Caso contrário, embora correndo o risco de irritar aqueles que trazem sempre a Pátria na boca e a unidade nacional na ponta da língua, mas Lisboa no alforge, mais vale dar razão a José Saramago e admitir que, mais tarde ou mais cedo, acabaremos inapelavelmente anexados por Espanha. E, por este andar, quanto mais cedo melhor.
Luís Costa
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