
Li hoje no jornal Público a notícia da pretensão da edilidade gaiense em atrair investimentos ingleses, tendo para isso apresentado um projecto na capital inglesa. Nesse projecto constava a ideia da tranformação de parte das caves da Croft em Hotel de 5 estrelas, respeitando as normas arquitectónicas em vigor para qualquer centro histórico. Um novo hotel de 5 estrelas, para clientes abastados, com ofertas do melhor que há a este nível, incluindo spa e vinoterapia (existente apenas na África do Sul e França). Presumo que os terraços defronte do hotel também constituam alguma espécie de terapia, tão formosa é a vista que dali se alcança e relaxante o silêncio que se desfruta nestas zonas romãntico-industriais do centro histórico gaiense.
A iniciativa até prima por ambiciosa. E revela o interesse em revitalizar o centro histórico da cidade. Mas pergunto se será com a tranformação deste em instãncia turística que se revitalizará o que quer que seja. Mais se ganhava com um verdadeiro plano de recuperação dos edifícios degradados (que não me parece ser este o caso), tranformando-os em equipamentos de divulgação cultural e habitação ao alcance das bolsas dos jovens, respeitando sempre o seu traço arquitectónico. O centro histórico de Gaia prima por uma atmosfera romântica e ao mesmo tempo industrial do séc. XVIII e XIX que deve preservar-se. E não só a arquitectura do espaço como a sua atmosfera devem ser alvo de medidas que visem preservar as suas peculiares características.
Mas o que me causou realmente espanto e o que fez com que abordasse aqui esta notícia foi a afirmação da intenção de fazer de Gaia a "pequena Londres do Mediterrâneo. Pequena Londres do Mediterrâneo? A mim causa-me uma admiração enorme que pessoas com cargos responsáveis numa edilidade possam proferir afirmações tão descabidas sem que sejam chamados à razão por isso. Dizer que Gaia é mediterrânica é o mesmo que dizer que a Turquia é europeia. Não é! Nem uma é europeia nem a outra é mediterrênica. Uma tem metade duma cidade (por sinal a mais carismática e importante) no continente europeu. A outra metade fica no continente asiático. Mas nem isso é relevante, pois em tudo a sua atmosfera é oriental. E isso sente-se nas ruas, na cultura, na música, nos bazares, nos cheiros, nos costumes. A outra fica situada na costa atlântica, tem clima atlântico, é verde, granítica e fria. Mais a sul, dentro do país que faz parte há um clima que se assemelha ao clima mediterrãnico. A cultura desta região do país pode ser considerada mediterrânica, dependendo das prespectivas. Mas Gaia não se insere nesta região. Insere-se numa região húmida, verdejante e é banhada por um mar bravio e frio que se espalha pelas suas praias rochosas. Dizer que é mediterrânica é dizer uma energumenidade de todo o tamanho. É ser-se ignorante e dizer isso porque muita da cultura do país padece de um certo mediterranismo. Ou então sintetizou isso como meio de atração para investimento turístico. Será?
Gaia é Atlântica. É fria. É rochosa e granítica. É de ventos fortes e provenientes do norte. Cheira a mar e a terra húmida. É de gentes moldadas pelo clima e pela terra. Em tudo o Atlântico está presente na sua aura. E isso sente-se nas gentes, na sua cultura, na sua gastronomia, na sua música e no seu espírito e carácter.